Os fogos que se veem… e os que ficam para sempre
Este verão, novamente, Portugal veste-se de cinza. O verde das serras, o aroma a mato e os campos cultivados por gerações inteiras transformam-se em paisagens devastadas, onde o silêncio das árvores queimadas ecoa mais alto do que qualquer sirene. Não se perdem apenas hectares. Perdem-se memórias, identidades e esperanças.
Mas, por detrás da devastação física, existe uma ferida invisível e profunda: o impacto na saúde mental das pessoas afetadas. Estudos demonstram que, após catástrofes, os sintomas de ansiedade, insónia, tristeza profunda e irritabilidade são frequentes e podem persistir no tempo (Ordem dos Psicólogos Portugueses [OPP], 2017; Teixeira & Saraiva, 2019).
Os incêndios florestais desencadeiam frequentemente alterações no sono, ansiedade, irritabilidade e sintomas físicos como dores de cabeça. Estas reações podem ser inicialmente adaptativas, mas, quando prolongadas, transformam-se em sinais de sofrimento que exigem atenção psicológica especializada (Norris, Friedman, & Watson, 2002). Para os mais vulneráveis, idosos e crianças, os efeitos são especialmente intensos. Os idosos tendem a isolar-se, sobretudo quando já vivem com recursos limitados. As crianças, por sua vez, ficam com sentimentos de insegurança e medo de que podem comprometer o desenvolvimento emocional saudável (SNS, 2018).
Os incêndios florestais desencadeiam frequentemente alterações no sono, ansiedade, irritabilidade e sintomas físicos como dores de cabeça.
Em situações traumáticas intensas e prolongadas, entre 15% e 20% das pessoas desenvolvem perturbação de stress pós-traumático (PSPT), condição que inclui memórias intrusivas, hipervigilância e ansiedade persistente (Galea, Nandi, & Vlahov, 2005; Ursano et al., 2017). Sobreviventes de incêndios relatam, frequentemente, dificuldade em retomar rotinas e medo constante da repetição da catástrofe.
Em cada incêndio, heróis silenciosos, homens e mulheres, muitos voluntários, arriscam a vida por nós. Sofrem exaustão física extrema, jornadas intermináveis, noites sem descanso e o impacto emocional de vidas perdidas e comunidades destruídas. Tal como as populações afetadas, também os bombeiros necessitam de programas de acompanhamento psicológico para prevenir sintomas de burnout e PSPT (OPP, 2017).
A situação em Portugal e oportunidades de intervenção
Após os incêndios de 2017, verificou-se que mais de um terço das pessoas avaliadas apresentavam sintomas de luto complicado (SNS, 2018). Este sofrimento vai muito além da perda material: é o luto pela perda da segurança, da identidade comunitária e do futuro.
Acredito que o fogo não é apenas uma calamidade ambiental; é também uma emergência de saúde mental coletiva. E como tal, exige intervenções que vão além do combate às chamas:
- Respostas psicológicas integradas e acessíveis, com equipas móveis de saúde mental.
- Formação em resiliência comunitária, envolvendo famílias, escolas e autarquias.
- Apoio contínuo a grupos vulneráveis e aos bombeiros, para que também eles possam cuidar de si.
Os incêndios em Portugal não são só uma fatalidade. São consequência de opções políticas, ausência de prevenção e fragilidade no ordenamento do território. Mas, além do fogo que destrói, existe o fogo interno: o medo que persiste, o luto não resolvido, a ansiedade que não cede. Arde a terra, arde a comunidade e arde a esperança.
Mas, além do fogo que destrói, existe o fogo interno: o medo que persiste, o luto não resolvido, a ansiedade que não cede.
Quando uma serra arde, não arde apenas uma terra. Arde Portugal inteiro e, com ele, a saúde mental de quem resiste entre as cinzas. E ardem também aqueles que nos protegem: os bombeiros, verdadeiros guardiões da vida em meio ao caos. Arde a terra, arde a comunidade e arde a esperança. Quando uma serra arde, não arde apenas uma terra. Arde Portugal inteiro e, com ele, a saúde mental de quem resiste entre as cinzas. E ardem também aqueles que nos protegem: os bombeiros, verdadeiros guardiões da vida em meio ao caos.
Referências Bibliográficas:
Galea, S., Nandi, A., & Vlahov, D. (2005). The epidemiology of post-traumatic stress disorder after disasters. Epidemiologic Reviews, 27(1), 78–91. https://doi.org/10.1093/epirev/mxi003
Norris, F. H., Friedman, M. J., & Watson, P. J. (2002). 60,000 disaster victims speak: Part II. Summary and implications of the disaster mental health research. Psychiatry, 65(3), 240–260. https://doi.org/10.1521/psyc.65.3.240.20169
Teixeira, A. M., & Saraiva, C. (2019). Incêndios florestais e saúde mental: experiências em Portugal. Revista Portuguesa de Saúde Pública, 37(2), 140–146. https://doi.org/10.1159/000500258
Ursano, R. J., Fullerton, C. S., Weisaeth, L., & Raphael, B. (Eds.). (2017). Textbook of Disaster Psychiatry (2.ª ed.). Cambridge University Press.
- Os fogos que se veem… e os que ficam para sempre - 22/08/2025