A distância que permanece, mesmo com a casa cheia
O Natal carrega a promessa de luz na sazonalidade de um Inverno frio e sombrio, também de reencontros familiares e de um sentimento de pertença. As ruas e as casas iluminam-se, as mesas enchem-se e os gestos tornam-se mais calorosos.
No entanto, entre a música festiva e o brilho das decorações, muitas pessoas descobrem um sentimento silencioso: a solidão acompanhada. É aquela sensação de estar rodeado de gente, mas ainda assim sentir um vazio que nenhuma presença física parece preencher.
De fato, no Natal, há uma expectativa quase universal de calor, afeto e conexão, espera-se que os encontros tragam alegria e que o espírito da época preencha cada coração. Mas, paradoxalmente, essa mesma época pode acentuar o sentimento de vazio: a presença física de outros nem sempre se traduz em proximidade emocional, e o silêncio interior torna-se mais audível diante do festivo burburinho.
O Natal revela-se como um momento de contradição onde as luzes e sombra se encontram, onde os encontros dão de caras com sentimentos de solidão, chegando a ser dolorosamente paradoxal.
Este fenómeno torna-se especialmente visível nesta época do ano, quando as expectativas de união contrastam com a realidade emocional de cada um. É o lugar onde conversas parecem distantes, os sorrisos não chegam ao coração e a sensação de pertença simplesmente… não acontece. Para alguns, esta realidade surge no contexto familiar, para outros, entre amigos ou em eventos sociais, como jantares de Natal dos colegas onde se espera que a alegria seja automática. A quadra natalícia, com toda a sua força simbólica, amplifica este paradoxo.
…conversas parecem distantes, os sorrisos não chegam ao coração e a sensação de pertença simplesmente… não acontece.
Podemos constatar que a verdadeira conexão nem sempre nasce da proximidade, mas da autenticidade com que nos olhamos e olhamos os outros. As expectativas culturais sussurram que “deveríamos estar bem”, que o Natal é união, afeto e plenitude. E quando não sentimos isso, cresce a distância entre o que vivemos e o que “era suposto” viver.
Essa discrepância não dói por falta de pessoas ao lado, mas por falta de encontro… aquele encontro autêntico, emocional, verdadeiro.
A solidão acompanhada tem muitas formas:
- estar numa mesa cheia e sentir-se invisível;
- o participar num jantar por obrigação, sem se sentir parte;
- quando se guardam emoções por perceber que não há espaço seguro para partilhá-las;
- carregar o esforço de parecer bem para não estragar o clima festivo.
Este é uma experiência profundamente humana, mas raramente falada, no quotidiano. Há, porém, algo de libertador em reconhecer esta vivência. Nomear o que sentimos é o primeiro passo para nos tratarmos com mais gentileza e respeito.

Talvez o Natal não tenha de ser uma época de desempenhos emocionais, mas sim um convite para procurarmos relações onde possamos estar inteiros, mesmo que sejam poucas. Talvez seja o momento de criar novos rituais, mais alinhados com quem somos hoje, e não com expectativas de outros tempos.
Talvez o Natal não tenha de ser uma época de desempenhos emocionais, mas sim um convite para procurarmos relações onde possamos estar inteiros…
No contexto clínico, constato muitas vezes a urgência de haver uma ressignificação dos atos festivos associados ao Natal, sem que deixe de existir uma envolvência “Familiar” e de conexão associada. Tenho pacientes que passaram a comemorar a data, fazendo voluntariado em ONGs com crianças, e em países onde está calor nesta altura, também viajando sozinhos para destinos novos, conhecendo novas pessoas, que também elas viajam sozinhas.
A solidão acompanhada recorda-nos que conexões verdadeiras não se medem em número de pessoas, mas em qualidade de presença, nem com a família de “sangue”. E que, por vezes, o gesto mais importante é darmos a nós próprios a permissão de sentir, de respirar e de escolher onde e com quem a nossa alma se sente em casa.
No fundo, o Natal pode continuar a existir com as suas luzes e rituais, mas também pode abrir espaço para silêncios honestos e vínculos mais reais. Porque, mesmo no meio da multidão, o que mais precisamos é de ser vistos. E, sobretudo, de nos vermos a nós mesmos!
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