Nem toda a nostalgia conforta

Clínica Dra. Rosa Basto - Psicologia e Hipnoterapia | Nem toda a nostalgia conforta

O Natal muito mais que uma simples época do ano, pode ser um “espaço emocional” controverso. Alguns estudos indicam que juntamente com sentimentos como a felicidade, o amor ou o bom-humor, mais de 60% das pessoas sente stress e cansaço durante o Natal. Pode ser a altura mais mágica do ano, mas é certamente um período pautado por uma agitação inquietante. Ou não vivêssemos sob as exigências diárias do trabalho, das tarefas domésticas, dos filhos/as, dos familiares que carecem de cuidados, e ao qual se acrescenta a preocupação em comprar prendas (e o encargo financeiro que podem representar), cozinhar uma mesa farta, escolher e fazer as melhores decorações, acolher familiares (mesmo os mais indesejáveis), entre tantas outras coisas.


Mas Natal, pode ser também um lugar de conflito. Há, algures entre as luzes, um lugar mais sombrio. O potencial gigante de nestas festividades, sem nos apercebermos, afastarmo-nos do momento presente e de viver o agora, o momento que é o derradeiro “presente”.

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Raros são os pacientes que quando falam sobre o Natal não retornam ao passado. A saudade toma um lugar barulhento neste espaço conflituoso, misturando-se com a satisfação de relembrar um momento ou época que foi marcante na nossa vida para a maioria de nós. Os cheiros, as receitas de família, as músicas, as salas de estar e as mesas de jantar (cheias). Facilmente algo nos desperta um sentimento prazeroso e às vezes difícil de descrever. Sem perceber, deixamos escapar um sorriso no rosto enquanto imagens de um tempo distante vagueiam pela memória. É um estado emocional agridoce, pois no mesmo instante sentimos falta de um passado inalcançável. Esta poderia ser a descrição daquilo que é a nostalgia enquanto um lugar de conflito.

É um estado emocional agridoce, pois no mesmo instante sentimos falta de um passado inalcançável.

Certamente, muitos momentos da nossa vida foram marcantes pela sua importância, impacto e efemeridade. Contudo, urge traçar uma linha por um lado poética, mas também saudável, entre relembrar e fazer da nostalgia uma fuga para um passado que, dolorosamente, a realidade nos diz e mostra que já passou.

A nostalgia ativa regiões cerebrais associadas à memória autobiográfica, à regulação emocional e ao sistema de recompensa, como o córtex pré-frontal. O que significa que quando recordamos momentos importantes da vida o nosso cérebro liberta dopamina, o que nos presenteia com a sensação de prazer, pertença e conforto. A nostalgia pode ser um ponto de (re)encontro entre o que fomos e o que somos. E pode, inclusive, ter especial importância e até utilidade e emergir em momentos de mudança, solidão ou até crise, como um maravilhoso recurso emocional de proteção e reafirmação do eu.

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A nostalgia pode ser um verdadeiro presente. Ela pode promover o aumento do sentimento de autoestima, de sentido ou propósito de vida, até otimismo, aliviando até as nossas dores (sejam elas físicas ou emocionais). Isto porque ao relembrar também revivemos e sentimos emocionalmente momentos agradáveis. Relembrar, nesse sentido, pode ser um “santo remédio”.

Mas eis um presente de Natal (que pode ou não estar envenenado): relembrar é bom, mas com a condição de estarmos presentes no ato de relembrar. A desafiante capacidade de estarmos inteiros na experiência atual, inclusive quando essa experiência é recordar.

Relembrar é bom, mas com a condição de estarmos presentes no ato de relembrar.

A nostalgia pode fazer bem, desde que “usada com consciência”, quase como se fosse uma bússola da alma. Quando acedemos a memórias do passado com amor e gratidão, ativamos neurotransmissores (além da dopamina, como a serotonina e a oxitocina). Um verdadeiro licor quântico de bem-estar.

E quando é que a nostalgia perde este encanto? Quando é algo que é o melhor presente de sempre, se transforma numa desilusão, ou em melancolia? Quando não conseguimos mais viver o presente, ou planejar o futuro, porque a mente e o pensamento estão presos no passado. Como um presente que ficou esquecido na árvore.

A nostalgia deixa de ser um afeto reconfortante e passa a ser uma névoa constante de tristeza. A verdade é que o estado de nostalgia saudável nos reconecta ao passado com carinho e saudade, a melancolia pode nos prender de forma mentalmente pouco saudável ao que já foi. Se todas as lembranças deixarem apenas dor e o passado se tornar mais real que o presente, abrimos janelas para a depressão ou ansiedade. Luzes que não brilham. A nostalgia, num estado de desequilíbrio, não deixa de ser uma forma de fuga do agora. Ela impede-nos de usufruir de uma das fontes mais poderosas de criação, que é, e será sempre o presente. Ficar preso ao passado é como tentar conduzir um carro, a tentar apenas olhar pelo retrovisor. Provavelmente vamos bater.

A nostalgia, num estado de desequilíbrio, não deixa de ser uma forma de fuga do agora.

Importa servir à mesa um espaço seguro para expressarmos os nossos sentimentos, mesmo que sejam conflituosos ou contraditórios. O estigma em torno da tristeza (que prevalece um ano inteiro) especialmente no Natal, impossibilita-nos de procurarmos ajuda. Familiares e amigos podem desempenhar um papel vital ao mostrar empatia e apoio, sem julgamentos. A capacidade de ouvir atentamente e estar presente para aqueles que estão a lutar pode fazer uma diferença significativa.

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A saúde mental em período natalício exige uma atenção particular, uma vez que esta época, pode intensificar vulnerabilidades emocionais e desafios pessoais. No final de contas, cada um de nós terá o seu próprio conto de Natal. E todos podemos acrescentar algo verdadeiramente mágico e igualmente humano à narrativa uns dos outros.

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