O Natal quando alguém já não está

Clínica Dra. Rosa Basto - Psicologia e Hipnoterapia | O Natal quando alguém já não está

Existem silêncios que chegam devagar e outros que surgem como um peso súbito no peito, desses que mudam a forma como respiramos. Na época natalícia, esses silêncios ganham contornos mais nítidos. Por um lado porque o calendário parece exigir alegria, e acima de tudo por outro porque o contraste entre o que o mundo celebra e aquilo que sentimos por dentro se torna difícil de disfarçar. É nesses dias que a ausência de alguém pode ocupar um espaço enorme, como se estivesse sentada à mesa sem que ninguém a veja, mas todos a sintam.


O luto é descrito pela investigação como um processo contínuo que transforma a forma como vivemos após uma perda significativa, com impacto emocional, relacional e até corporal (American Psychiatric Association, 2014; Freitas, 2018). Não obedece a prazos nem a expectativas sociais. Acontece por ondas, reaparecendo quando a vida toca em memórias, rituais ou lugares que estavam ligados à pessoa que partiu.

A época natalícia é um desses gatilhos naturais: transporta recordações corporizadas em músicas, cheiros, gestos familiares e conversas que já não acontecem.

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Muitas pessoas descrevem uma espécie de descompasso, o mundo parece avançar com a normalidade das celebrações, enquanto o tempo interno abranda. A literatura sobre o luto descreve precisamente esta sensação de desencontro entre o ritmo social e a temporalidade emocional do enlutado resultado da ruptura do “mundo presumido” (aquela estrutura silenciosa de certezas que nos permite viver) e da reorganização interna que a perda impõe (Parkes, 2009; Freitas et al., 2015; Stroebe & Schut, 2001). Quando alguém importante morre, esse mundo interno desmonta-se. No Natal, torna-se impossível ignorar essa mudança.

…o mundo parece avançar com a normalidade das celebrações, enquanto o tempo interno abranda.

Há também quem sinta que deve “estar melhor”, como se o luto tivesse prazo de validade. Mas não existe “dever” no luto. A investigação fenomenológica tem mostrado que a dor não desaparece, transforma-se; que o vínculo não se apaga, reorganiza-se; e o luto torna-se parte integrante da identidade (Freitas, Michel & Zomkowski, 2015). Trata-se de uma condição humana e não de uma falha emocional.

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Nesta época, alguns sintomas podem intensificar-se: tristeza profunda, bloqueio emocional, dificuldade em dormir, irritabilidade, torpor, ansiedade ou incapacidade de participar plenamente na rotina. Se estes sinais se prolongam ou interferem de forma marcada no quotidiano, podem indicar risco de luto complicado, condição reconhecida pela literatura e cada vez mais investigada (Prigerson et al., 2009).

Cuidar de ti durante este período é um gesto de força interior e uma forma necessária de sentir apoio. Para algumas pessoas, pequenos rituais ajudam a integrar a ausência, como por exemplo acender uma vela, escrever uma carta, preparar uma receita que faz parte das memórias. Para outras, o contacto com recordações é demasiado doloroso e só mais tarde se torna possível. Ambos os caminhos são válidos. Cada luto é um luto singular.

Para algumas pessoas, pequenos rituais ajudam a integrar a ausência, como por exemplo acender uma vela, escrever uma carta, preparar uma receita que faz parte das memórias.

Em situações de maior sofrimento, a ajuda profissional pode ser um suporte decisivo. O acompanhamento psicológico oferece um espaço seguro para compreender a dor, reorganizar significados e restaurar a capacidade de continuar a viver com a memória da pessoa amada. Nas últimas décadas, a hipnoterapia começou a ganhar espaço no acompanhamento do luto, sobretudo quando a dor parece maior do que as palavras conseguem expressar. Estudos têm mostrado que o uso de imagética e estados focados pode ajudar a regular a intensidade das emoções e apoiar a elaboração interna da perda (Sugarman, 2020; Gonsalkorale & Ponnusamy, 2019).

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Se este Natal te estiver a doer mais do que esperavas, sê gentil contigo. Permite-te viver apenas aquilo que tens capacidade para viver agora. Não precisas de corresponder às expectativas dos outros. E se sentires que a dor está a tornar-se um lugar demasiado solitário ou pesado, procura apoio. Existe caminho. Existe futuro. Existe cuidado possível.

O luto não devolve o mundo que existia. Mas pode ensinar a construir um novo, onde a memória de quem amamos continua a viver de forma integrada, suave e humana. Ao teu ritmo e no teu tempo.


Referências Bibliográficas:

Alladin, A. (2012). Cognitive hypnotherapy for traumatic bereavement. In A. Alladin (Ed.), Cognitive Hypnotherapy. Wiley-Blackwell.
American Psychiatric Association. (2014). Diagnostic and statistical manual of mental disorders (5th ed.).
Carvalho, H. S. R., & Queirós, C. (2019). Intervenção mindfulness no trauma e luto. Universidade do Porto.
Freitas, J. (2018). Luto de morte e clínica fenomenológica. UFPR.
Freitas, J., Michel, L. H. F., & Zomkowski, K. (2015). Luto e perda do mundo-partilhado. Psicologia USP, 26(1), 97–105.
Gonsalkorale, K., & Ponnusamy, S. (2019). Hypnosis for grief resolution: An exploratory study. Australian Journal of Clinical and Experimental Hypnosis, 45(1), 35–57.
Parkes, C. M. (2009). Love and loss: The roots of grief and its complications. Routledge.
Prigerson, H. G., et al. (2009). Prolonged grief disorder: Psychometric validation of criteria. PLoS Medicine, 6(8), e1000121.
Sugarman, L. (2020). Hypnotic imagery for grief. American Journal of Clinical Hypnosis, 62(3), 219–236. https://doi.org/10.1080/00029157.2019.1672801.

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